domingo, 3 de julho de 2016

POEMA CALMINIANO

Neemias Félix

Tenho dois grandes amigos,
Ambos muito inteligentes,
Formados em Teologia,
Reputações excelentes.


Exatamente por serem
Estudiosos, dedicados,
Recebem os elogios
Dos mestres mais ilustrados.
Apenas por um detalhe,
os dois discordam de plano:
Um deles é calvinista,
O outro é arminiano.
Quando um termina de expor
Todo o seu arrazoado
De forma tão convincente,
Tendo a ficar do seu lado.
Aí, porém, fala o outro,
E expõe com tal convicção,
Tudo tão fundamentado,
Que também lhe dou razão.
Quanto mais eles debatem,
Mais eu me sinto um obtuso:
Pois se dizem “isso está claro”
Por que eu fico tão confuso?
Depois de tanto escutar
Homens com tanto saber,
Duvido mesmo que um dia
Os dois vão se entender,
Gosto muito de um debate,
Mas há alguns que, talvez,
Sejam sementes em terra
De irreparável aridez.
Longe de mim condenar
Amigos tão inteligentes,
Mas, nesta vida tão curta,
Tenho coisas mais urgentes.
Deixo-os então querelando,
Nessa eterna discussão,
E eu vou tentando, a meu modo,
Ser somente um bom cristão.

domingo, 10 de abril de 2016

"O VELHINHO ERA MEU PAI"

Neemias Félix

Esta é uma história real.

Meu irmão, Maninho, trabalhava no escritório de um posto de molas. Certo dia, ao pagar a conta, um cliente deixou, por engano, uma nota de cinquenta reais no meio de outras. Meu irmão só percebeu o equívoco minutos depois, quando o caminhoneiro já havia desaparecido pela estrada afora. Tomou, entretanto, o cuidado de guardar a cédula que, à época, era a de maior valor emitida pelo Banco Central.

Coisa de um ano depois, o caminhoneiro volta ao posto de molas para novo conserto. Meu irmão o identifica imediatamente, informa-o sobre a nota deixada por engano e, ao mesmo tempo, a devolve ao seu verdadeiro dono.

O caminhoneiro, homem de muitos anos de estrada, recebe a nota de volta  enquanto enceta o seguinte diálogo com meu irmão:

- Rapaz, como é bom saber que existem ainda pessoas honestas como você. Estou impressionado com o seu cuidado em guardar a nota por tanto tempo para me devolver, quando eu nem mais me lembrava dela.

Meu irmão diz baixinho que era apenas a sua obrigação. O caminhoneiro continua:

- Isso me faz lembrar um velhinho que era fiscal da prefeitura na altura de Rio do Norte, a uns vinte e poucos quilômetros daqui… Olha, lá se vão mais de trinta anos e eu jamais o esqueci. Que homem honesto! Ali todo mundo recebia propina, menos ele. Um exemplo de honestidade e correção que guardo com carinho na minha memória.

Meu irmão, visivelmente emocionado, mal consegue responder:

- Pois saiba o senhor que aquele velhinho, o seu José Félix, como era conhecido, era o meu pai…

(Há uma lágrima insistente querendo cair aqui enquanto escrevo. Tenho que terminar, com licença…)

segunda-feira, 7 de março de 2016

SE PODEMOS COMPLICAR…

Neemias Félix

Estamos tão acostumados a complicar as coisas, que quando alguém apresenta uma ideia ou um projeto simples, podemos achar um absurdo.

Gostamos tanto de complicar, que chegamos a um ponto perigoso. Para os não cristãos, por exemplo, e até para um bom número de cristãos,  acreditar na realidade de um Deus inteligente que criou Adão e Eva, no Éden, no pecado da raça e na queda parece uma ideia muito infantil. Precisamos sofisticar, complicar. Que tal a ideia de que viemos da água, éramos algo como uma ameba, viramos peixe, depois nos empoleiramos nas árvores como macacos, andamos de quatro e depois nos aprumamos para chegar a esta forma “evoluída” como somos hoje? Ah, muito mais inteligente, não é? Satisfaz os nossos padrões de orgulho, vaidade e lógica.

Mas visitemos outras áreas. Por que ajudar pessoas de maneira simples, direta e barata, individualmente, ou, no máximo, com organizações eficientes e sem burocracia? Não, isso é muito simples. Criemos ONGs, fundações e institutos e botemos o estado gordo, guloso e perdulário nesse negócio. Criemos estatutos, cargos, departamentos, comissões, recheemos tudo isso com muito papel e burocracia e vamos dar uma visibilidade louca e ativista a tudo isso. Vejam como trabalhamos! Tudo muito bonito e “social”, que é a palavrinha que encanta os “progressistas” e, é claro, os desonestos.

No âmbito do cristianismo, entretanto, a “sofisticação” não é muito diferente. Há muito se deixou aquela simplicidade, organicidade e funcionalidade tão “primitivas” dos primeiros séculos! Era outra época, tudo muito rudimentar. Vamos botar o estadão no meio. Vamos misturar um pouco com o paganismo, que assim agradamos a todo mundo. Uma adaptação aqui, uma assimilação ali, e a promiscuidade pode parecer progresso. Alarguemos a porta estreita, abramos o caminho apertado! Esse Jesus até que dizia algumas verdades, mas, convenhamos, era muito simples, tinha visão muito limitada. Vamos construir templos enormes, basílicas, catedrais. E hierarquia, é claro. Claro e clero, porque os leigos, ah, esses leigos não têm classe! Criemos soldos e vestes especiais, báculo, barrete, mitra e outros badulaques, misturemos os antigos rituais judaicos com os pagãos, depois criemos um estado especial pra cuidar de tudo e um dignitário supremo, infalível ex-cathedra e com poderes superespeciais. Perfeito para complicar, hem?

Não, isso não está certo, diz um bom rebelde. Vamos reformar. Mas não muito, que a coisa não pode ser tão simples assim. Voltemos ao fundamental, mas mantenhamos algumas inovações. Enfim, umas substituições aqui, umas assimilações ali… e tudo fica bem. Com o tempo acrescentemos departamentos, comissões, ordens, estatutos, convenções, ministérios, diretorias. Democratizemos, mas nem tanto. Falemos em sacerdócio universal, mas  deixemos só no papel. Enfim, mudemos tudo para tudo ficar no mesmo. Ora, se podemos complicar, para que simplificar? Precisamos é nos organizar cada vez melhor, quem sabe administrar as coisas como uma empresa, introduzir de vez em quando novos projetos, métodos, técnicas, programas mais modernos e eficientes. É isso! E deu no que deu. E dá no que dá.

Faz lembrar a história do fazendeiro que mandou um empregado contar o seu enorme rebanho, de milhares de cabeças de gado. No fim da tarde, ao cobrar o cumprimento da tarefa, perguntou ao funcionário o resultado de toda a operação. “Quantas cabeças?” O encarregado deu-lhe um número altíssimo. “A contagem foi muito difícil?”, perguntou novamente o patrão. “Nem um pouco”, respondeu o homem. “Foi só contar as patas e dividir por quatro.”

É assim: se podemos complicar, por que simplificar?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

“MERETRÍSSIMO”

Neemias Félix

Devo ao Desembargador Sérgio Bizzotto Pessoa de Mendonça este caso que ele me relatou quando quando ainda era juiz de primeira instância aqui em Linhares. Aliás, devo também ao douto magistrado o fato de ter entrado, pela primeira vez, num motel, e isso às nove da manhã de um dia quente e ensolarado. Não se assustem: fui nomeado por ele para atuar como primeiro perito num caso complicado de suposta curra a uma estudante, em que figuravam, como acusados, vários rapazes da chamada alta sociedade linharense.

Curras à parte, o caso que ele me contou foi o seguinte.

Tinha ele sido convidado para receber o título de “Cidadão Linharense”, juntamente com outras personalidades, entre elas o pastor Benedito Aurora, da Igreja Batista Memorial. Na nossa conversa, perguntei-lhe a respeito da cerimônia.

- Muito boa, a não ser por duas situações bastante constrangedoras...

- E como foi isso? - perguntei-lhe, ainda mais curioso.

- Bem, primeiro elevaram o pastor Benedito à condição de papa.

- Ora essa, e por quê?

- O presidente convidou-o, chamando-o de “Vossa Santidade”...

- Não acredito! - disse eu, não contendo o riso. Ele, porém, continuou:- O pior aconteceu comigo…

- Não me diga! O que houve?

- Reduziram-me à simples condição de prostituta...- Como???

- Ao me chamarem para a entrega do título, deram-me o honroso tratamento de 

“meretríssimo”!

Nessa altura, ele quase não aguentava falar, e o que fizemos foi cair numa longa e estrondosa gargalhada.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O CRISTÃO PODE BEBER?

Neemias Félix


Para a pergunta acima, a resposta é rápida, curta e definitiva: Pode, mas não deve.


O tema é mais que polêmico e seria interessante, não necessário, desenvolvê-lo em uma monografia. Não em apenas uma ou duas laudas e muito menos na linha do tempo do Facebook.


Ainda assim, exponho aqui meus argumentos e conselhos carinhosos, desenvolvidos em pontos e observações, com base no que aprendi na minha experiência de mais de dez anos de alcoólico ativo (hoje sou passivo, não bebo há 34 anos), cinco de A. A., algum conhecimento da Bíblia (já a li mais de uma dezena de vezes) e quase trinta de vida cristã. Sem falar, é claro, nas  leituras e mais leituras especializadas com seus prós e contras e muitas horas de oração e meditação (inclusive a meia hora antes de escrever este texto).


Em relação aos termos do título, esclareço que beber refere-se a qualquer tipo de bebida alcoólica, seja uma simples cerveja, seja outra bebida forte, capaz de trazer algum dano ao bebedor ocasional ou contumaz. Quanto ao termo cristão, refiro-me àquele que teve uma experiência de conversão genuína a Jesus Cristo e procura segui-lo com perseverança, ainda que pecador e sujeito às falhas e pecados que certamente vai cometer no decorrer da sua vida. Não se trata, portanto, de alguém apenas ligado a uma instituição cristã, ou seja, o religioso a que costumamos chamar de cristão nominal.


Uma observação: a generalização é normal e necessária, principalmente em textos curtos,  e este, definitivamente, não é um tratado científico ou teológico. É desnecessário, portanto, o “há exceções”. Ora, toda generalização pressupõe exceções e, objetivamente, ninguém escreve para falar delas.


Vamos aos pontos, observações, enfim, o que penso sobre o assunto:

1. Aos que ainda não sabem, informo que sou um cristão não ligado a nenhuma instituição ou denominação. O que penso, portanto, não é uma opinião sectária, exclusivista. Reúno-me com outros cristãos informalmente, numa igreja dita caseira, simples, orgânica, e meu compromisso é unicamente com Jesus Cristo, meu Senhor e Senhor da igreja. Por isso mesmo, não carrego rótulo nem tenho a mínima pretensão de fazer proselitismo.

2. Não sou juiz de ninguém (nem Jesus foi, enquanto pisou esta terra), não pretendo e nem teria poder de condenar ao inferno aquele que bebe discreta e moderadamente um copo de cerveja ou uma taça de vinho no chamado recesso sacrossanto do seu lar.
                                                                                                                                                                 3. Também eu (eu disse eu), não me escandalizo em ver um cristão fazendo isso (nas condições acima). Jamais vou considerá-lo, apenas por isso, um cristão de menor qualidade ou um sujeito menos santo que a maioria. Sei que há outras atitudes que também podem revelar o caráter, enfim, a vida do cidadão cristão. ENTRETANTO (e aqui entra o pode, mas não deve), na sequência, apresento boas razões para o cristão não beber, ainda que moderadamente.

4. Não  é  conveniente.  Ora, o que  não  é  conveniente, não  “pega  bem”;  o que  não “pega bem”, não é bom; o que não é bom não deve ser praticado. Veja que não citei nenhum versículo bíblico,  mas  se  você se  diz  cristão, deve saber ao que me refiro,  certo? Caramba (desculpe, isso  também  não está  na  Bíblia!),  se   pessoas   sem  nenhum  compromisso com Jesus  abstêm-se  da  bebida, é  demais  pedir  isso a você?!  Acho um absurdo alguém levantar argumentos bíblicos a favor de  certas práticas,  se  não é capaz de assimilar aquelas mais comezinhas do senso comum!  Isso  deveria ser tão  simples  como não apoiar
os cotovelos na mesa ou não palitar os dentes após as refeições…

5. É  preciso  fugir  da aparência  do mal. Acho  essa  orientação  do  cidadão  de Tarso mais radical do que do que a anterior. Fugir,  não  apenas  do  mal   em si mesmo, mas  de  tudo aquilo que parece ser  mal. Que  zelo,  que preocupação com os tessalonicenses, não é? Isso é amor, para evitar um mal maior.
          
Apelo  outra  vez  ao  senso  comum.  Os  pais  comuns,  que  nunca  leram  uma  Bíblia, que nunca  frequentaram  uma  EBD,   falam  carinhosamente: “Meu filho, cuidado  com  as pessoas  com  quem  anda;  veja  lá  o que você vai fazer; veja como se  comporta; observe os lugares  aonde vai!”  Meu Deus, - pergunto  com carinho - é preciso disparar um monte de versículos para alguém entender isso? Senso    comum  puro,  dispensado   pela   Graça Comum  do  Pai do Céu!  Até aqueles que muitos chamam  de “ímpios” entendem  isso. Você não?  Desculpe outra  vez, mas  se  a  nossa justiça não for superior à dos fariseus e escribas...

6. Testemunho cristão e escândalo. Não  duvide do desencanto, da decepção que um ex-dependente de álcool sente,  nos  seus  primeiros  tempos de sobriedade, ao  ver um irmão na fé  tomar  um  único  copo de cerveja  ou de vinho. Já  vivi  e presenciei  essa  cena  e asseguro  que, a alguns,  ela  pode  causar  escândalo (leia-se “pedra de tropeço”) e arrefecimento espiritual.

7. Testemunho cristão e lei. A resolução de  trânsito atual   praticamente  adotou a tolerância zero em relação à bebida. Imagine um cristão dedicado apanhado no teste  de  bafômetro, ainda   que  seja  pela  necessidade   inesperada  de  levar alguém  a  um  hospital,  na falta
de um motorista mais  “capacitado”.   Imaginou o papelão?  Agora imagine se houver um acidente, uma morte…


8.  Alcoolismo e estatística. Poucos sabem que o alcoolismo é catalogado como doença pela Organização  Mundial  da  Saúde.  Ela  atinge cerca  de  10%  da população. Sabe o que é isso? Então imagine se  conseguíssemos reunir, em algum lugar do Brasil, 250 Maracanãs cheios de alcoólicos. Eu disse duzentos e cinquenta Maracanãs cheios de dependentes, só brasileiros. Isso equivale à população da Romênia, duas Bolívias ou todo o estado de Minas Gerais!
             
Agora, o pior:  como o   infeliz  adoece  porque  tem  uma predisposição para a doença, sendo ela progressiva e  incurável, ninguém sabe se vai ser alcoólico ou  não, quer dizer,  só se  pode  detectá-la  com  segurança depois de  algum tempo que a  pessoa  começar a beber. Em outras palavras, uma  pessoa  que  bebe  socialmente hoje  pode  ser um alcoólico daqui a  três, quatro anos.  Não seria  prudente  que filhos oriundos de famílias que têm antecedentes alcoólicos nunca  tomassem  uma  única  gota  de  bebida?  É  bom  pensar nisso… Pode acontecer com você!

O  alcoolismo  não   perdoa  ninguém:  pobres,  ricos,  ateus  ou  cristãos.  Nas minhas andanças pelos grupos de A. A., vi  padres,  pastores,   bispos,  atores famosos, secretários de estado, capitães, majores e até generais dependentes dessa droga. Ouvi o testemunho de um bispo que não  tomava nem o vinho  da missa por causa da compulsão; e o de  alguém famosíssimo  que  evitava  até as balas de licor de que gostava tanto!


9. Para as objeções:  Há  quem  desconsidere  todos  os  argumentos  acima e prefira objetar: “Jesus tomava vinho”, ou “a Bíblia não condena  explicitamente o beber, apenas  o embriagar-se”, ou  ainda,  “tomar  refrigerante,    exagerar nos doces   e   comer   em excesso também   fazem  mal”.   Não  nego  isso. Ainda  assim,  além    de   todas  as   observações   e dados  que  apresentei acima, gostaria  que considerasse  o seguinte:
               
Quanto  ao  comer  em  excesso e às guloseimas, apesar do prejuízo pessoal, acho quase impossível alguém atropelar uma pessoa por causa da alta taxa de colesterol ou ser  multado no trânsito por hiperglicemia.

Cuidemos então do nosso  Salvador (e que Ele nos perdoe a pretensão):  Em primeiro   lugar, você   não  é Jesus. Em  segundo, Jesus   também  pregava, curava,  ressuscitava mortos, caminhava  sobre  as  águas e morreu na cruz. Por que você não o imita nisso? Em terceiro, já pensou no que representava o  vinho  para  a  gastronomia, a tradição, a  simbologia, enfim, seu peso de significado  para a cultura  judaica?  Teria   ele  o mesmo  significado  que  a bebida   alcoólica   para  a   nossa   cultura    ocidental   e,  principalmente, a brasileira, ainda mais nas circunstâncias em  que é  usada?  Pode  imaginar, realmente, Jesus  e  seus apóstolos,  hoje,  aqui  no  Brasil,  tomando  umas geladas   numa  roda  de   amigos, enquanto   um  médico,  na TV,  discorre sobre  as   pesquisas  mais   recentes a respeito  os malefícios  do  álcool, um inspetor  da  Polícia   Rodoviária  Federal  mostra  um  motorista pego no  teste  do  bafômetro  e  uma  mensagem  dos  Alcoólicos  Anônimos  diz “Evite o primeiro gole”?


Bem, se depois de tudo o que leu, você ainda acha que não há problema em beber moderadamente,  quem   sou  eu  para  gastar mais tempo do que já gastei  para  tentar convencê-lo do contrário. Desculpe, eu só quis  ajudar. Só espero que daqui  a  algum  tempo você  também  não  ache que “só  um tapinha não faz mal”. Em qualquer dos sentidos que quiser dar a essa frase...


     
         
   
            
       

           

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

DEUS É CONSERVADOR

Neemias Félix
Meu mestre e amigo Nephele Bardo, o Vetusto, me ensinou, neste diálogo, como responder a alguém para quem a palavra “conservador” passou a ser uma pecha, um xingamento, uma ofensa.
‒ Puxa, mas então você é conservador…
‒ Sou, mas estou em excelente companhia.
‒ Não me diga! Ah, ah, ah!
‒ Deus e eu somos conservadores. Ele mesmo diz que não negocia seus princípios, todos muito caros: “Eu, o Senhor teu Deus, não mudo.” É Ele também que se autointitula “o Princípio e o Fim”. Enfim, Ele não permite que o homem embarque na impossível e louca ideia de paralaxe cognitiva, se coloque fora desta realidade e se arvore em observador privilegiado, juiz e executor dela.
‒ Hã?!
‒ Sim, senhor. Veja a criação. Deus não faz revolução. Apenas cria, “cosmetica” tudo, ou seja, organiza o caos. É Ele quem forma, avalia, considera tudo muito bom, preserva e ordena que preservem o que Ele fez. Ele não cria “um mundo melhor”, mas quer que preservemos este.
‒ Bem, olhando por esse lado…
‒ Para o Criador do universo, não é questão de lado, tudo o que faz é perfeito. O casal é seu parceiro e é feito cooperador Seu. Ele, o Criador, diz: “Vocês foram criados homem e mulher; cresçam e multipliquem-se”. Isso não é tarefa para gênero, que é categoria gramatical, mas para sexos diferentes. Isso não é evolução nem revolução, não é criar o utópico e admirável mundo novo. Isso é trabalhar com matéria-prima perfeita. Tanto é que ordena também ao casal que “sujeite a terra”. Esta terra, este mundo, não outro utópico e inatingível. O homem não pode fazer crescer ou multiplicar o que não existe, a não ser na imaginação dos escritores, mas apenas dominar, administrar o que já existe.
‒ Mas Jesus, o Deus encarnado, não parece mais maleável, “bonzinho”?
‒ Engana-se quem pensa que Jesus é bonzinho, que passa a mão na cabeça dos pecadores. À mulher adúltera ele diz: “Vá e não peque mais”. Além disso, a ênfase do pecado desloca-se da ação para a intenção: não apenas “não adultere”, como ato, mas “quem olhar para uma mulher com intenção impura, já adulterou com ela”. Pode haver mais rigor que isso? Eu não disse? Deus não muda, preserva e faz preservar seus princípios.
Deus é radicalmente conservador.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O CLÉRIGO (Neemias Félix)

Poema vencedor do 23º Prêmio Moutonnée de Poesia 2013 (Salto, SP)
e segundo lugar no Prêmio Campos do Jordão de Literatura 2015 (SP)

Fechado em sacros paramentos sacos 
lá vem o clérigo 
Na tonsura, o súcio, o circo
- cisão que sobe vinda do prepúcio?
único heliponto da lisura?
De roupa escura lá vem o cura
Já falou latim ao povo tartamudo, mudo
e a  voz piedosa dosa a intenção maldosa
Quem TV no colarinho em V nada vê
O clérigo
tem mitra, báculo e barrete
e canta, é claro, que em falsete
É cleptomente
e rouba o sacerdócio de todos os crentes
O clérigo não se entrega, intriga e migra
reforma, transmuda e, num instante
renasce em berço e rito protestante
lembrando priscas eras e filacteras
Na língua em pano, em fato domingueiro
velha batina, hábito romano
O clero agora em tom tão evangélico
adora a distinção e os privilégios
ostenta títulos e engendra sortilégios
Enquanto o Mestre se despe, o clérigo veste mais
se enfuna e inflama em vestes clericais
O microfone em riste é poder e assalto
e ocupa sempre lugares mais altos
O clérigo é mais que ativo, é corporativo
Ameaçado, saca este penhor
não alce o braço contra o ungido do Senhor
A tradição que trai sempre insepulta
o odre novo e fresco catapulta
sufoca e acalma a torpe turbamulta
Um lema tem e não faz isso a esmo

que é mudar sempre pra ficar no mesmo