Neemias Félix
Para a pergunta acima, a resposta é rápida, curta e definitiva: Pode, mas não deve.
O tema é mais que polêmico e seria interessante, não necessário, desenvolvê-lo em uma monografia. Não em apenas uma ou duas laudas e muito menos na linha do tempo do Facebook.
Ainda assim, exponho aqui meus argumentos e conselhos carinhosos, desenvolvidos em pontos e observações, com base no que aprendi na minha experiência de mais de dez anos de alcoólico ativo (hoje sou passivo, não bebo há 34 anos), cinco de A. A., algum conhecimento da Bíblia (já a li mais de uma dezena de vezes) e quase trinta de vida cristã. Sem falar, é claro, nas leituras e mais leituras especializadas com seus prós e contras e muitas horas de oração e meditação (inclusive a meia hora antes de escrever este texto).
Em relação aos termos do título, esclareço que beber refere-se a qualquer tipo de bebida alcoólica, seja uma simples cerveja, seja outra bebida forte, capaz de trazer algum dano ao bebedor ocasional ou contumaz. Quanto ao termo cristão, refiro-me àquele que teve uma experiência de conversão genuína a Jesus Cristo e procura segui-lo com perseverança, ainda que pecador e sujeito às falhas e pecados que certamente vai cometer no decorrer da sua vida. Não se trata, portanto, de alguém apenas ligado a uma instituição cristã, ou seja, o religioso a que costumamos chamar de cristão nominal.
Uma observação: a generalização é normal e necessária, principalmente em textos curtos, e este, definitivamente, não é um tratado científico ou teológico. É desnecessário, portanto, o “há exceções”. Ora, toda generalização pressupõe exceções e, objetivamente, ninguém escreve para falar delas.
Vamos aos pontos, observações, enfim, o que penso sobre o assunto:
1. Aos que ainda não sabem, informo que sou um cristão não ligado a nenhuma instituição ou denominação. O que penso, portanto, não é uma opinião sectária, exclusivista. Reúno-me com outros cristãos informalmente, numa igreja dita caseira, simples, orgânica, e meu compromisso é unicamente com Jesus Cristo, meu Senhor e Senhor da igreja. Por isso mesmo, não carrego rótulo nem tenho a mínima pretensão de fazer proselitismo.
2. Não sou juiz de ninguém (nem Jesus foi, enquanto pisou esta terra), não pretendo e nem teria poder de condenar ao inferno aquele que bebe discreta e moderadamente um copo de cerveja ou uma taça de vinho no chamado recesso sacrossanto do seu lar.
3. Também eu (eu disse eu), não me escandalizo em ver um cristão fazendo isso (nas condições acima). Jamais vou considerá-lo, apenas por isso, um cristão de menor qualidade ou um sujeito menos santo que a maioria. Sei que há outras atitudes que também podem revelar o caráter, enfim, a vida do cidadão cristão. ENTRETANTO (e aqui entra o pode, mas não deve), na sequência, apresento boas razões para o cristão não beber, ainda que moderadamente.
4. Não é conveniente. Ora, o que não é conveniente, não “pega bem”; o que não “pega bem”, não é bom; o que não é bom não deve ser praticado. Veja que não citei nenhum versículo bíblico, mas se você se diz cristão, deve saber ao que me refiro, certo? Caramba (desculpe, isso também não está na Bíblia!), se pessoas sem nenhum compromisso com Jesus abstêm-se da bebida, é demais pedir isso a você?! Acho um absurdo alguém levantar argumentos bíblicos a favor de certas práticas, se não é capaz de assimilar aquelas mais comezinhas do senso comum! Isso deveria ser tão simples como não apoiar
os cotovelos na mesa ou não palitar os dentes após as refeições…
5. É preciso fugir da aparência do mal. Acho essa orientação do cidadão de Tarso mais radical do que do que a anterior. Fugir, não apenas do mal em si mesmo, mas de tudo aquilo que parece ser mal. Que zelo, que preocupação com os tessalonicenses, não é? Isso é amor, para evitar um mal maior.
Apelo outra vez ao senso comum. Os pais comuns, que nunca leram uma Bíblia, que nunca frequentaram uma EBD, falam carinhosamente: “Meu filho, cuidado com as pessoas com quem anda; veja lá o que você vai fazer; veja como se comporta; observe os lugares aonde vai!” Meu Deus, - pergunto com carinho - é preciso disparar um monte de versículos para alguém entender isso? Senso comum puro, dispensado pela Graça Comum do Pai do Céu! Até aqueles que muitos chamam de “ímpios” entendem isso. Você não? Desculpe outra vez, mas se a nossa justiça não for superior à dos fariseus e escribas...
6. Testemunho cristão e escândalo. Não duvide do desencanto, da decepção que um ex-dependente de álcool sente, nos seus primeiros tempos de sobriedade, ao ver um irmão na fé tomar um único copo de cerveja ou de vinho. Já vivi e presenciei essa cena e asseguro que, a alguns, ela pode causar escândalo (leia-se “pedra de tropeço”) e arrefecimento espiritual.
7. Testemunho cristão e lei. A resolução de trânsito atual praticamente adotou a tolerância zero em relação à bebida. Imagine um cristão dedicado apanhado no teste de bafômetro, ainda que seja pela necessidade inesperada de levar alguém a um hospital, na falta
de um motorista mais “capacitado”. Imaginou o papelão? Agora imagine se houver um acidente, uma morte…
8. Alcoolismo e estatística. Poucos sabem que o alcoolismo é catalogado como doença pela Organização Mundial da Saúde. Ela atinge cerca de 10% da população. Sabe o que é isso? Então imagine se conseguíssemos reunir, em algum lugar do Brasil, 250 Maracanãs cheios de alcoólicos. Eu disse duzentos e cinquenta Maracanãs cheios de dependentes, só brasileiros. Isso equivale à população da Romênia, duas Bolívias ou todo o estado de Minas Gerais!
Agora, o pior: como o infeliz adoece porque tem uma predisposição para a doença, sendo ela progressiva e incurável, ninguém sabe se vai ser alcoólico ou não, quer dizer, só se pode detectá-la com segurança depois de algum tempo que a pessoa começar a beber. Em outras palavras, uma pessoa que bebe socialmente hoje pode ser um alcoólico daqui a três, quatro anos. Não seria prudente que filhos oriundos de famílias que têm antecedentes alcoólicos nunca tomassem uma única gota de bebida? É bom pensar nisso… Pode acontecer com você!
O alcoolismo não perdoa ninguém: pobres, ricos, ateus ou cristãos. Nas minhas andanças pelos grupos de A. A., vi padres, pastores, bispos, atores famosos, secretários de estado, capitães, majores e até generais dependentes dessa droga. Ouvi o testemunho de um bispo que não tomava nem o vinho da missa por causa da compulsão; e o de alguém famosíssimo que evitava até as balas de licor de que gostava tanto!
9. Para as objeções: Há quem desconsidere todos os argumentos acima e prefira objetar: “Jesus tomava vinho”, ou “a Bíblia não condena explicitamente o beber, apenas o embriagar-se”, ou ainda, “tomar refrigerante, exagerar nos doces e comer em excesso também fazem mal”. Não nego isso. Ainda assim, além de todas as observações e dados que apresentei acima, gostaria que considerasse o seguinte:
Quanto ao comer em excesso e às guloseimas, apesar do prejuízo pessoal, acho quase impossível alguém atropelar uma pessoa por causa da alta taxa de colesterol ou ser multado no trânsito por hiperglicemia.
Cuidemos então do nosso Salvador (e que Ele nos perdoe a pretensão): Em primeiro lugar, você não é Jesus. Em segundo, Jesus também pregava, curava, ressuscitava mortos, caminhava sobre as águas e morreu na cruz. Por que você não o imita nisso? Em terceiro, já pensou no que representava o vinho para a gastronomia, a tradição, a simbologia, enfim, seu peso de significado para a cultura judaica? Teria ele o mesmo significado que a bebida alcoólica para a nossa cultura ocidental e, principalmente, a brasileira, ainda mais nas circunstâncias em que é usada? Pode imaginar, realmente, Jesus e seus apóstolos, hoje, aqui no Brasil, tomando umas geladas numa roda de amigos, enquanto um médico, na TV, discorre sobre as pesquisas mais recentes a respeito os malefícios do álcool, um inspetor da Polícia Rodoviária Federal mostra um motorista pego no teste do bafômetro e uma mensagem dos Alcoólicos Anônimos diz “Evite o primeiro gole”?
Bem, se depois de tudo o que leu, você ainda acha que não há problema em beber moderadamente, quem sou eu para gastar mais tempo do que já gastei para tentar convencê-lo do contrário. Desculpe, eu só quis ajudar. Só espero que daqui a algum tempo você também não ache que “só um tapinha não faz mal”. Em qualquer dos sentidos que quiser dar a essa frase...