Neemias Félix
O sábio e vetusto Nephele Bardo contou também esta
parábola.
Certo homem que habitava o pequeno Reino das Bananas
tinha o esquisito hábito de comer excremento. Cacofagia é o nome que se dá a
esse tipo de hábito.
Apesar de estranho, o hábito desse homem até que era
bem tolerado pela maioria das pessoas. É verdade que alguns o reprovavam por
essa prática. Uns diziam que era antinatural; outros, que era doentia; outros
mais, que era um grave pecado, uma verdadeira abominação contra o próprio Deus.
O cacófago, entretanto, continuava com a sua prática, na maioria das vezes em
lugares esconsos ou até no interior da sua própria casa. Assim a vida
continuava sem grandes conflitos naquele país.
Tempos depois, porém, o homem descobriu que outros
concidadãos tinham o mesmo hábito que ele, que a sua dejetomania se estendera
por todo daquele musáceo país. Depois que um rei eneadátilo, com hábitos também
sinistros, assomou ao trono, a comunidade dos cacófagos ganhou um apoio nunca
antes visto na história daquele país. Até uma secretaria foi criada para cuidar
dos direitos dos coprófagos. Estava desfraldada, pois, a bandeira da cacofagia!
A televisão apresentava personagens cacófagos nas novelas,
dando-lhes uma notoriedade surpreendente. Para não chocar a grande maioria
cristã, a princípio apresentou apenas as cenas de pessoas só inalando os odores
dos excrementos; depois as cenas deslavadas, verdadeiros banquetes cacofágicos.
As passeatas, chamadas de “Insolência Cacofágica”, se espalharam pelo paiseco
das bananas, as associações de cacófagos se multiplicavam pelo reino, e seus
líderes se apresentavam nos programas de TV. Deputados eram eleitos e
reivindicavam o direito à cacofagia. Os números das estatísticas eram
manipulados, qualquer agressão a um cacófago era noticiada à exaustão pela
imprensa. E um termo desprezível, repugnante e capcioso foi criado para
designar os que não aceitavam essa prática: cacofóbico.
O movimento, que agrupava também aqueles que apenas aspiravam os odores fecais,
criou a sigla sugestiva, inevitável e cacofônica ‒
CACAS ‒, que quer dizer “Cacófagos, Cheiradores,
Assemelhados e Simpatizantes”.
Os cacófagos queriam muito mais: a cacofagia
oficializada. E não mediram esforços para atingir esse objetivo. Pelas caladas,
num projeto que punia vários tipos de preconceito, chegaram ao cúmulo de introduzir
artigos para criminalizar aquilo que eles chamavam de cacofobia, mesmo que
fosse uma simples opinião contrária, com cadeia. Enquanto o projeto de lei se arrasta
até hoje no Senado, em virtude da oposição de uns aguerridos e quase combalidos
conservadores, o movimento já conseguiu o apoio do STF, que aprovou a união
civil cacofágica, espécie de contubérnio em que as pessoas adeptas dessa
prática vivem sob o mesmo teto como se fossem cônjuges comuns.
A continuar nessa marcha, o movimento cacofágico, a
exemplo do que aconteceu com o personagem alienista de Machado de Assis, vai acabar
por encarcerar todos os seres humanos eutróficos como insanos e dominar
totalmente o país.
“Acautelai-vos contra os cacófagos insensatos”,
termina o sábio Nephele Bardo. “Eles fingem ser pobres coitados que defendem
seu supostos direitos, vítimas do preconceito da maioria, mas, na verdade,
querem mesmo é impor, enfiar oficialmente sua perversão goela abaixo da
sociedade pusilânime e passiva do Reino das Bananas.”
Assim o Reino das Bananas vai se tornar, de vez, com
o devido perdão do tabuísmo, uma verdadeira merda!