Neemias Félix
O apelido era Maninho. Do prenome não me lembro, mas
o nome de família nunca me saiu da memória. Não é comum ter um aluno com sobrenome
francês, menos ainda Bossois, com o oi virando uá, como ensinava o professor Octaviano Calmon na antiga primeira
série ginasial. E o moleque, orgulhoso, fazia questão de escrever o sobrenome de
um lado a outro do quadro, para pronunciá-lo com um bocão enorme: Bossuááá!
Sentava-se na primeira carteira da fila do meio, bem
perto da mesa do professor. Era magricela, nem alto nem baixo. Durante a aula,
não conversava muito, apenas umas viradas para pegar a borracha ou trocar uns
sussurros rápidos com a colega do lado.
Os professores já haviam ultrapassado aquela fase
besta do trauma. A moda agora era a participação. “A participação é muito importante”, lembravam-nos a cada minuto as
pedagogas, e nós fingíamos valorizar a
participação da molecada. Além, é claro, de nos esforçarmos para entender
como era possível pôr em prática o tal atendimento
individual em turmas de quarenta e tantos alunos, procedimento que as
“ôras” gostavam de cobrar. Para os mais jovens, explique-se que “ôras” era a
forma irônica e abreviada de nos referirmos às supervisoras e orientadoras.
Mas voltemos ao Maninho. Na metade da aula, eu
corrigia, no quadro, um exercício sobre derivação.
—Vamos lá. Que palavras posso formar com o radical
de “belo”?
— “Beleza”, grita um aluno no meio da sala.
Maninho faz menção de abrir a boca para participar, mas é interrompido por um
colega mais rápido:
—“Embelezar”, fuzila outro, com gesto debochado e
feminil.
—“Beldade!”, grita um terceiro, com ar de
satisfação.
Percebo a ansiedade do nosso personagem e fico
torcendo para ele conseguir se antecipar e dar sua contribuição. Os colegas,
porém, não permitem. E as respostas rápidas se sucedem.
—O que formo com a palavra “rico”?
—“Riqueza!”
—“Ricaço!”
—“Enriquecer!”
Maninho coça a cabeça. A ansiedade vira agonia. Os
olhos se arregalam, os lábios tremem. O peito arfa. Enquanto faço uma pausa
para conter um pouco a voracidade da turma, ele prepara a palavra que
representa talvez a sua última chance de participação. Volto ao quadro e crio
um clima de suspense.
—Que palavra eu posso formar com o radical de... ”POBRE”?!
—“POBREMÁTICO!” — sapeca o ansioso Maninho, com um
olhar expectante e ansioso de aprovação.
A classe é uma gargalhada só. A aula termina ali.