domingo, 9 de novembro de 2014

Um aluno chamado Maninho

Neemias Félix

O apelido era Maninho. Do prenome não me lembro, mas o nome de família nunca me saiu da memória. Não é comum ter um aluno com sobrenome francês, menos ainda Bossois, com o oi virando , como ensinava o professor Octaviano Calmon na antiga primeira série ginasial. E o moleque, orgulhoso, fazia questão de escrever o sobrenome de um lado a outro do quadro, para pronunciá-lo com um bocão enorme: Bossuááá!

Sentava-se na primeira carteira da fila do meio, bem perto da mesa do professor. Era magricela, nem alto nem baixo. Durante a aula, não conversava muito, apenas umas viradas para pegar a borracha ou trocar uns sussurros rápidos com a colega do lado.

Os professores já haviam ultrapassado aquela fase besta do trauma. A moda agora era a participação. “A participação é muito importante”, lembravam-nos a cada minuto as pedagogas, e nós fingíamos valorizar a participação da molecada. Além, é claro, de nos esforçarmos para entender como era possível pôr em prática o tal atendimento individual em turmas de quarenta e tantos alunos, procedimento que as “ôras” gostavam de cobrar. Para os mais jovens, explique-se que “ôras” era a forma irônica e abreviada de nos referirmos às supervisoras e orientadoras.

Mas voltemos ao Maninho. Na metade da aula, eu corrigia, no quadro, um exercício sobre derivação.

—Vamos lá. Que palavras posso formar com o radical de “belo”?

— “Beleza”, grita um aluno no meio da sala.

Maninho faz menção de abrir a boca para participar, mas é interrompido por um colega mais rápido:

—“Embelezar”, fuzila outro, com gesto debochado e feminil.

—“Beldade!”, grita um terceiro, com ar de satisfação.

Percebo a ansiedade do nosso personagem e fico torcendo para ele conseguir se antecipar e dar sua contribuição. Os colegas, porém, não permitem. E as respostas rápidas se sucedem.

—O que formo com a palavra “rico”?

—“Riqueza!”

—“Ricaço!”

—“Enriquecer!”

Maninho coça a cabeça. A ansiedade vira agonia. Os olhos se arregalam, os lábios tremem. O peito arfa. Enquanto faço uma pausa para conter um pouco a voracidade da turma, ele prepara a palavra que representa talvez a sua última chance de participação. Volto ao quadro e crio um clima de suspense.

—Que palavra eu posso formar com o radical de... ”POBRE”?!

—“POBREMÁTICO!” — sapeca o ansioso Maninho, com um olhar expectante e ansioso de aprovação.

A classe é uma gargalhada só. A aula termina ali.






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